quinta-feira, 2 de junho de 2022

A história de amor e ódio entre Ingo Hoffmann e as Mil Milhas Brasileiras

Falar que o nosso multicampeão Ingo Ott Hoffmann foi vitorioso nas categorias em que teve condições de sê-lo - com exceção das Fórmulas 1 e 2 - é algo óbvio e desnecessário. Por onde passou, Ingo conquistou vitórias, desde aquelas obtidas com larga vantagem - sobretudo na Stock entre o fim dos anos 80 e início dos anos 90 - até outras que foram conquistadas após disputas por décimos de segundo com adversários renhidos.

Mas o calcanhar de aquiles de Ingo tinha nome, tradição e não costumava facilitar para ninguém: Trata-se da mais tradicional prova de nosso automobilismo, as Mil Milhas Brasileiras, disputadas desde 1956 e que só perto do fim da carreira do piloto, veio a permitir que este inscrevesse seu nome no rol de vencedores.

A primeira participação de Ingo Hoffmann na prova ocorreu na XI edição, disputada em 08 de dezembro de 1973 só com veículos com preparação sob os regulamentos da Divisão 1 e 3. Naquele início de carreira - ele começou a correr em 1972, com um Fusca na categoria estreantes, quase standard - o veículo escolhido fora um VW Divisão 3, inscrito - logicamente - com o número 17, enquanto a pilotagem fora dividida com o também estreante Alex Dias Ribeiro. Após registrarem o tempo de 3min29s96, obtiveram na corrida um bom 13º lugar, em um grid formado por 64 carros. A posição final só não fora melhor porque o bólido ficou 50 minutos parado nos boxes, por conta de problemas de freio.

A título de argumento, Ingo foi campeão da Divisão 3 em 1973 e 1974, só que neste último ano correu com a famosa VW Brasília com patrocínio da Creditum.

Com o hiato da prova entre 1974 e 1980, em razão da crise do petróleo que impediu a realização de provas de longa duração, como forma de economizar combustível, Ingo só veio a disputar as Mil Milhas novamente em 1981, quando modelos movidos a álcool foram utilizados. Na ocasião, correu a bordo de um Opala Stock Car com Aloysio Andrade Filho, mas a corrida terminou durante a madrugada após a quebra do câmbio, quando ocupavam a 4ª posição com 39 voltas comletadas. Melhor sorte teve a outra dupla da equipe, Roberto Sávio e Luís Roberto Coutinho Nogueira, que levou seu Chevrolet Opala ao 5º lugar na geral.

Não obtive maiores informações a respeito das provas de 1983, 1984 - quanto a esta apurei apenas que ele correu em um Opala Stock Car com Affonso Giaffone Jr. e Pedro Queiroz Lima - 1985, 1986 - correu em dupla com Sávio Murilo de Azevedo, mas abandonaram a prova após uma batida que entortou o diferencial do Opala Stock Car - e 1989. Mas em 1987, é sabido que registrou a pole position a bordo do Opala Stock nº 69 da Equipe Kohlbach, em parceria com Sávio Murilo Azevedo, com a marca de 3min05s90. Depois de brigar pela primeira posição até o fim, a dupla terminou na 3ª posição na geral.

No ano seguinte, a parceria com Sávio Murilo foi repetida, e a dupla veio forte na busca pela vitória, chegando até a liderar a prova no início. Porém, o motor 6 cilindros do Opala abriu o bico após 121 voltas completadas.

Em 1990, na primeira edição disputada no novo - atual - traçado de Interlagos, Ingo correu em trio com Angelo Giombelli e Ariel Barranco no Opala Hot Car nº. Largando da 3º posição, Ingo assumiu a liderança após cerca de 30 minutos de prova. Porém, essa situação durou por apenas 23 minutos, quando o Opala passou a sofrer com problemas no sistema de alimentação, que impôs uma parada de 05 minutos nos boxes para reparos. A volta à pista durou pouco tempo: Com 10 minutos, Ingo parou novamente nos boxes, pois uma peça que caiu de um outro carro acabou sendo "atropelada" pelo Opala e lhe causando problemas na suspensão. O carro ainda resistiu por mais alguns minutos, quando Ariel Barranco parou nos boxes às 02:00 horas para trocar a suspensão, trabalho este que levou cerca de 70 voltas para ser concluído, deixando o trio fora dos 15 primeiros na geral.

Dando início à sua relação com a BMW, Ingo participou de um esquema que a princípio parecia vitorioso para as Mil Milhas de 1992. Naquela oportunidade, a equipe Bychl Euroracing trouxe 02 BMW M3 2.3 para participar da prova: No nº 17 foram inscritos Ingo Hoffmann e os alemães Bernd Effinger e Franz Josef Prangemeier, enquanto que no modelo nº 36, correram o brasileiro Claus Heitkotter e os alemães Jurgen Weiss e Marc Gindorff.

No final das contas, as BMW eram carros quase standard, com pouquíssima preparação, e não andaram quase nada. Após vários problemas nos treinos, sobretudo pela quebra do motor que terminou sendo substituído pelo de um exemplar de rua, e com a gasolina brasileira - misturada com álcool - , Ingo, conhecedor de Interlagos, alcançou apenas a 17ª posição no grid, enquanto a outra BMW ficou mais atrás. Na corrida, Ingo vinha muito bem na 2ª posição, porém o bólido alemão teve que abandonar a disputa na 248ª volta, por conta de superaquecimento. Ironicamente, a BMW nº 36 acabou vencendo.

Novamente com a BMW, desta feita uma 325i da equipe portuguesa Trajecto, Ingo vinha como um dos favoritos à vitória. Formando trio com os titãs do disputado Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos, Paulo Júdice e Andreas Mattheis, chegou a liderar a prova por 60 voltas, porém o câmbio resolveu dar o ar da graça na volta 211, acabando com as suas pretensões de vitória.

Em 1994, a busca incansável pela vitória continuou. Inscrito inicialmente em uma BMW 325i com o saudoso André Ribeiro e Walmir Hisgué Benavides, Ingo fora escalado após o início dos treinos para disputar a prova no modelo M3 GTR de fábrica utilizado por Nelson Piquet e Johnny Cecotto. Embora a concorrência com os Porsches fosse grande, a BMW andou sempre entre os ponteiros, chegando a liderar por 10 voltas - entre a 117ª e a 127ª - após o Porsche 911 de Wilsinho e Christian Fittipaldi ir aos boxes.

No entanto, um problema no diferencial fez a M3 ficar parada nos boxes por cerca de 20 minutos, pondo fim à qualquer chance de vitória. Ao final, Ingo e seus companheiros terminaram na 4ª posição, com 361 voltas, logo à frente da BMW nº 17 de Ribeiro e Benavides, com 340.

Por ter andado muito bem com a M3 de fábrica em 1994, Ingo foi escalado para disputar a prova de 1995 na equipe oficial da BMW, que vinha com 02 BMW M3 GTR:

Nº 4 Steve Soper, Nelson Piquet e Paulo Carcasci (largou em 3º, com o tempo de 1min47s129)

Nº 17 Ingo Hoffmann, Nelson Piquet e Marc Duez (largou em 2º, com tempo de 1min46s305)

Na prova, a BMW nº 17 abandonou na 54ª volta, enquanto que a nº 4 abandonou na 91ª devido a um problema nas velas, causando muita fumaça após o estouro do motor do carro.

Entre 1996 e 2002, não participou da prova, tanto por razões de sua própria carreira, quanto pelas instabilidades vividas com a organização das Mil Milhas Brasileiras. Mas o retorno valeu a pena...

Depois de conquistar seu 12º e último título na Stock Car, um dos mais concorridos da carreira, Ingo aceitou o convite de Fernando Nabuco para correr novamente as Mil Milhas. E de um esquema improvisado - o Porsche 911 GT3 veio da Inglaterra sem qualquer aparato técnico -, que contou com a participação de Xandy Negrão a partir do convite de Ingo, formou-se o quarteto vencedor - o piloto de Stock Car Ricardo Etchenique também dividiu a pilotagem - daquela edição da nossa maior prova.

A tão sonhada vitória de Ingo Hoffmann nas Mil Milhas, com quase 50 anos de idade, foi construída a partir da conquista da pole position, com o tempo de 1min40s357. Só que isso por si só não significa muita coisa em uma prova de longa duração, e a disputa não foi tão tranquila assim. Durante a madrugada, o Porsche dos vencedores se manteve na 2ª posição, atrás de outro Porsche (Raul Boesel), até que este teve um problema no macaco hidráulico durante uma parada no início da manhã. Daí então, puderam assumir a liderança até a bandeirada final, e a vitória veio com 05 voltas de vantagem para o 2º colocado.

Em 2004, utilizou novamente um Porsche 911 GT3, desta feita o nº 8 laranja e cinza da equipe Old Boys, de Eduardo Souza Ramos, que tinham a companhia de Ronaldo Ferreira e do vencedor dos 500 km de Interlagos de 1967, Antônio Carlos "Totó" Porto Filho. Como tinha sido escalado para ministrar um curso de direção defensiva da BMW no mesmo final de semana, teve que conciliar as duas atividades. Por isso, foi responsável pela largada - aquela edição foi especial por ter feito parte das comemorações dos 450 anos da cidade de São Paulo - e por conduzir o carro na maior parte da madrugada, em que chegou a liderar na pista molhada após forte disputa com o Audi TT-R da família Negrão. Mas as chances do bicampeonato terminaram pouco após a metade da prova (186 voltas), pois o Porsche teve um princípio de incêndio.

A última participação de Ingo Hoffmann em uma Mil Milhas ocorreu em 2005, quando novamente foi escalado para dividir a tocada do Porsche 911 GT3 da Old Boys, que substituiu Ferreira por Duda Pamplona para aquele ano. Mas em razão de problemas mecânicos, o Porsche nº 04 completou apenas 201 das 372 voltas, ficando na 36ª posição.

E assim, após várias participações, o grande Alemão encerrou sua carreira na prova, com uma vitória maiúscula quando nem mesmo ele esperava mais vencer.