sábado, 31 de dezembro de 2022

O ídolo injustiçado Rubens Barrichello

Há um bom tempo que venho querendo parar por umas horas, e escrever com calma algumas linhas sobre um piloto que aprendi a admirar desde quando passei a acompanhar o automobilismo, isto em meados de 1998, quando tinha 07 anos de idade. Então, aproveitando esse final de ano mais tranquilo, vamos falar sobre Rubens Gonçalves Barrichello, ou melhor, Rubinho, que desde o início da sua carreira na Ferrari, (em 2000) foi alvo das piadas mais sem graça e ridículas por uma parte do público de seu próprio país.

Para começar, basta lembrar que Barrichello foi pentacampeão brasileiro de kart na década de 80 (e campeão sulamericano em 1987), tendo iniciado no automobilismo em 1989, com a estreia na Fórmula Ford brasileira (naquele ano, obteve 01 vitória, 01 pole position, 01 volta mais rápida e 05 pódios*, terminando o campeonato em 3º lugar). Essa estreia teve uma particularidade, contada no site do apresentador, jornalista e comentarista Milton Neves:


A estreia de Barrichello nesta categoria foi marcada por um episódio interessante e de muita sorte. Sem dinheiro para comprar um carro novo para a temporada, a família adquiriu um modelo usado, pouco competitivo, como ficou evidente nos primeiros treinos antes do campeonato começar.

Mas na primeira prova, na hora de desembarcar o carro do caminhão, seu Fórmula Ford caiu e ficou destruído. Com isso, a transportadora acabou comprando um carro novo, zero quilômetro para o piloto, que estreou com vitória e terminou o campeonato em terceiro lugar.


Já na temporada seguinte, estreou na Fórmula Opel no velho continente, sendo campeão com 06 vitórias, 07 poles, 07 voltas mais rápidas e 07 pódios*. Em 1991, mais um título, desta feita na Fórmula 3 Britânica, a categoria de acesso à Fórmula 1 mais disputada até então. Na campanha de 04 vitórias, 09 poles, 07 voltas mais rápidas e 07 pódios*, Barrichello disputou corridas com nomes do porte de Gil de Ferran e David Coulthard.

A temporada de 1992 foi disputada na então Fórmula 3000 (posteriormente denominada GP2 e atualmente Fórmula 2), tendo obtido 04 pódios* e 02 voltas mais rápidas, culminando no 3º lugar ao final do campeonato. Esses predicados fizeram com que a sua estreia na Fórmula 1 ocorresse na temporada de 1993, através da equipe Jordan, e sua história na categoria máxima, tão bem abordada em publicações de maior renome, tem o seguinte resumo:

- 326 corridas, sendo 322 largadas;

- 11 vitórias (01 hat trick, na Itália, em 2004);

- 14 pole positions;

- 17 voltas mais rápidas;

- 57 pódios*

- 02 vice-campeonatos (2002 e 2004) e 02 terceiros lugares (2001 e 2009);

- 06 equipes (Jordan, Stewart, Ferrari, Honda, Brawn GP e Williams);

- 19 temporadas ininterruptas na Fórmula 1 (recorde vigente até o presente momento)

Cabe abrir alguns parênteses quanto às seguintes temporadas:

- Em 1995, Barrichello teve a oportunidade de correr pela Benetton (então campeã de pilotos com Michael Schumacher), tendo declinado da oferta por consideração a Eddie Jordan (que não teve a mínima ao dispensá-lo alguns anos depois);

- Em 2003, foi o maior responsável pelo desenvolvimento da Ferrari que deu o hexacampeonato a Schumacher;

- Em 2010 teve a chance de assinar com a McLaren e ser companheiro de equipe de Lewis Hamilton. Porém, manteve a palavra com a Williams, pois já tinha firmado contrato com a equipe. Cabe lembrar que a vaga fora ocupada por Jenson Button, que por sua vez, venceu 01 prova em 2010 e 04 no ano seguinte.

Após a Fórmula 1 (término da temporada de 2011), Barrichello fez a temporada de 2012 completa na Fórmula Indy pela equipe KV Racing, sendo o melhor estreante nas 500 Milhas daquele ano (com o 11º lugar, à frente dos futuros campeões Josef Newgarden e Simon Pagenaud) e não fazendo qualquer performance vexatória. E no fim daquele ano, sua história na Stock Car começou, ao disputar as 03 últimas provas (sem contar pontos para o campeonato) no Peugeot 408 da Medley Full Time.

Na Stock Car, até o presente momento, são 02 títulos, 01 vice-campeonato (2016) e a marca de nunca ter terminado um campeonato abaixo da 10ª posição (tendo terminado o primeiro deles na 8ª posição, e sendo eleito o melhor estreante). Além disso, são 19 vitórias (02 delas na corrida do milhão, em 2014 e 2018), 12 poles, 30 pódios, 11 melhores voltas e 03 (hat tricks), bem como é um dos únicos pilotos - o outro é Ricardo Maurício - a vencer as 02 corridas de um final de semana. E tudo isso com 50 anos!

Então fica a pergunta: Por que ridicularizar um piloto tão vitorioso? Por que chamar de lento um cara que sempre se manteve competitivo, por onde passou e quando o equipamento lhe permitiu?

Lembro que a partir da sua estreia na Ferrari, um certo programa humorístico de televisão passou a fazer paródias de sua performance no mundial de F1, paródias essas de gosto no mínimo duvidoso. Rubinho era alvo de piadas por terminar as corridas, na maior parte delas, atrás do alemão Michael Schumacher. Mas quem entende minimamente de automobilismo, sabe que a Ferrari tinha a sua atenção quase totalmente voltada para o heptacampeão, que em 1996 (então bicampeão pela Benetton), chegou a Maranello com a missão de reconstruir uma casa (que é movida pela paixão característica dos torcedores italianos) que desde os anos 80 não fazia temporadas sólidas (não vencia o mundial de pilotos desde 1979, e neste interím, venceu o mundial de construtores apenas em 1982 e 1983).

O ambiente na equipe italiana, àquela época, era praticamente voltado para Michael e para a sua conquista no mundial de pilotos, e não seria ninguém, muito menos um piloto não-italiano, que iria interferir naquela relação. Além do mais, com exceção das temporadas de 2002 e 2004, quando a Ferrari foi dominante (Schumacher campeão antecipado e Rubinho vice), de 2000 a 2005 a Fórmula 1 teve pilotos e equipes em temporadas de intensa disputa, como Mika Hakkinen e Kimi Raikkonen na McLaren, e Juan Pablo Montoya na Williams. Ou seja, Barrichello pode ter andado atrás do alemão, que era um incontestável gênio das pistas, mas jamais foi um piloto do meio do grid.

Muitas vezes penso que a educação e o cavalheirismo de Rubens poderia ter dado lugar a alguns belos palavrões e declarações ácidas, no melhor estilo Nelson Piquet. Assim, boa parte da mídia (aquela parte da imprensa que é mestre em enterrar as pessoas vivas...) teria tido um pouco mais de respeito com o piloto. Mas, sendo impossível voltar no tempo, que ao menos venha o reconhecimento por tudo que Rubens fez (e faz) pelo automobilismo brasileiro.

Minha admiração, Rubens Barrichello.

* Para esta matéria, a contagem dos pódios excluiu as vitórias, pois essas foram contadas em separado.

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