"Um espaço reservado para falar das lembranças, histórias e episódios dos mais de 60 anos de Mil Milhas Brasileiras. E de outras coisas mais!"

domingo, 18 de abril de 2021

Caetano Damiani (1929 - 2021)

Recebi, através do comentário de Felipe Damiani aqui no blog, a triste notícia do falecimento do piloto Caetano Damiani, um dos grandes nomes das carreteras dos anos 50 e 60. Felipe nos conta que seu tio faleceu no dia 14 deste mês, com 91 anos de idade.

Fica aqui a nossa homenagem ao piloto nascido em Guarulhos/SP, e que foi a maior pedra no sapato de Camilo Christófaro em Interlagos. Muita luz nessa nova jornada.

Retrospecto do piloto na Mil Milhas aqui nesta matéria.


 

Largada da prova de 1961, com a carretera nº 2 em segundo lugar


terça-feira, 6 de abril de 2021

Hyundai Scoupe - Mil Milhas de 1993

Em todas as edições das Mil Milhas do Brasil, tivemos ao menos um carro que destoava dos demais que compuseram o grid. Aliás, é uma marca registrada da prova a participação de veículos experimentais, fabricados em oficinas das próprias equipes ou que utilizaram a prova como teste de resistência, com vistas ao melhor desenvolvimento para versões de rua.

Neste passo, o bólido cuja história vamos retratar hoje fora inscrito na prova de 1993 em virtude dos testes realizados anteriormente pela revista Autoesporte, sendo ainda uma forma de atrair o público consumidor para um importado que acabava de chegar ao Brasil. Trata-se do Hyundai Scoupe, coupê de 2 portas fabricado pela montadora sul-coreana entre 1988 e 1995, que em 1993 recebeu um facelift e chegou ao mercado brasileiro.

O texto a seguir trata-se da reprodução na íntegra do relato feito pelo jornalista e piloto Eduardo Dória para a matéria da revista Autoesporte de cobertura daquela edição. E esta postagem foi feita em parceria com o exclusivo Blog do Carrelli, que nos mantém informados sobre automobilismo, veículos antigos, miniaturas e outras coisas mais!


Quando me aproximava da Curva do Lago, lá pelos 50 minutos de prova, e um forte aguacero desabou sobre Interlagos, percebi pelo retrovisor que os líderes já me alcançavam para ultrapassar-me. Fiquei em dúvida se abria passagem antes da curva ou mantinha meu traçado. Decidi-me pela segunda alternativa, com o carro escorregando no piso molhado, preocupado se aquele "comboio" não ia me atropelar. Na saída da curva, vi pelo retrovisor seis ou sete das mais sofisticadas e potentes máquinas inscritas na prova dançando um estranho balé no acostamento, fazendo incríveis pas-de-deux, trois, quatre...

A partir dali, e à medida que outros acidentes de sucediam, comecei a acreditar mais na viabilidade da ideia - que muitos chamaram de louca - de disputar as Mil Milhas com dois Hyundai Scoupe GT Turbo 1.5 absolutamente standard, competindo contra máquinas de até 450 cv, pneus slick e freios a disco nas quatro rodas com ABS. Afinal, na chuva todos patos são pardos, e a suspensão altona e os pneus Goodyear fininhos (comparando com os dos outros) diminuíam os riscos de aquaplanagem dos Hyundai, retirando dos "grandões" boa parte da vantagem que tinham em chão seco.

Como o tempo prometia mais chuva - e, efetivamente, a água esteve presente em cerca de três quartos da prova, bastava manter um ritmo regular e constante, sem erros, para ampliar as chances de boa colocação. A equipe de Autoesporte teve dois carros e cinco pilotos (eu, o Octávio Sarmento, o Júlio Carone, o jornalista da TV Record Mário Bove e o piloto e concessionário Hyundai de Curitiba, Plácido Iglesias). Apenas Plácido estava em atividade. Eu não competia desde meados de 1976, logo após ter sido Campeão Brasileiro de Divisão 1 (até 1.600 cm³). O Octávio e o Júlio nunca haviam corrido, e tiveram de fazer o bom curso da Escola de Pilotagem Interlagos. O "pai" da idéia de correr com os Hyundai, nosso editor de testes, José Luiz Vieira, teve de ficar de fora por problemas físicos inesperados de última hora - felizmente já resolvidos.

A opção pelo Hyundai ocorreu ao lembrarmos que os carros de menor cilindrada e peso tiveram boas colocações nos anos anteriores por consumirem menos pneus, pastilhas de freio e combustível - consequentemente, com menos paradas nos boxes. Como havíamos testado um Scoupe GT Turbo para uma matéria da revista do mês anterior, e todos adoramos o carrinho, a escolha foi unânime. Também foi imediata a aprovação do projeto Mil Milhas pela Garavelo/Hyundai, representante oficial da marca no país.

Imaginávamos fazer algumas pequenas alterações na suspensão e geometria de direção dos Scoupe, mais para aumentar a durabilidade dos pneus e a segurança - visto que andaríamos entre veículos muitos mais preparados - do que para ganhar velocidade. Mas a direção e os técnicos da Garavelo/Hyundai decidiram que os carros correriam absolutamente standard, para comprovar sua qualidade e resistência. E o "standard" significava até manter a direção hidráulica original! Eles firmaram posição a respeito, e tivemos que concordar - embora meio a contragosto. Era pegar ou largar...

As únicas peças que vieram do Exterior foram os bons amortecedores Koni, ainda assim iguais aos originais dos Scoupe comercializados lá fora. Os pneus radiais Eagle GT+4 185/60 HR 14, conseguimos com a Goodyear. Os bancos concha, com a Sulam e pilotos amigos. Cintos de segurança e indumentária antichama dos pilotos, com o simpático Orlando Sgarbi, da Corsa, lubrificantes, com a Castrol. Buscando reduzir custos, pois não tínhamos patrocínio suficiente, solicitamos - e conseguimos - a compreensão da Confederação Brasileira de Automobilismo, Federação de Automobilismo de São Paulo e Centauro Motor Clube, no sentido de isentar-nos das taxas normais de filiação/anuidade, visto que nossa meta era apenas escrever uma matéria da corrida vista de dentro.

Entre olhares quase de deboche, conseguimos o 50o e o 53o (e último lugares) no grid, tentando sempre manter o moral alto e repetindo para nós mesmos que "o que interessa é a posição na bandeira quadriculada". O plano de corrida previa como único objetivo chegar ao final da prova. Sabíamos que ocorrem muitas quebras e acidentes nas Mil Milhas, e quem chega ao final normalmente chega bem colocado. Mantivemos um ritmo estável, e os Scoupe corresponderam, parando apenas para abastecimento e troca de itens normais numa competição longa, como pneus e pastilhas de freio.

Quando a quadriculada baixou, quase 14 horas depois da largada, invadiu-nos um misto de alegria e tristeza. Alegria pelos 8º e 9º lugares na Classe A, e 17º e 22º lugares na classificação final. Tristeza porque os Scoupe estavam tão bons e valentes quanto na largada, e dava vontade de continuar pilotando por mais 14 horas...



Vídeos da prova neste link