"Um espaço reservado para falar das lembranças, histórias e episódios dos mais de 60 anos de Mil Milhas Brasileiras. E de outras coisas mais!"

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Raul Boesel e as Mil Milhas Brasileiras

No último dia 04, o curitibano Raul Guilherme de Mesquita Boesel, ou simplesmente Raul Boesel, completou 66 anos de vida, da qual mais da metade fora dedicada ao esporte a motor. Da carreira no automobilismo, Boesel tem a autoridade de dizer que fora um vencedor, ainda que não tenha colecionado muitos títulos (mas todos os que conseguiu foram marcantes e únicos), pois, conforme nos ensina sabiamente Alex Dias Ribeiro, você pode ser vencedor sem ser campeão. Ainda mais em um esporte que por diversos fatores, muitas vezes acaba "cortando as asas" de grandes talentos.

A história de Boesel na Stock Car já fora contada aqui no blog, em postagem datada de outubro de 2014, que você pode conferir neste link. Mas hoje falaremos especificamente sobre as suas participações nas edições das Mil Milhas Brasileiras, começando pela edição de 1989.

Naquele ano, houve a abertura do regulamento para carros fabricados fora do Brasil, oportunidade em que fora inscrita uma Mercedes Benz 190E 2.3 sob o nº 48, que naturalmente causou grande expectativa para aquela edição, que veio a ser a última disputada no antigo traçado.

Porém, o bólido alemão ficou só na expectativa mesmo, pois o trio Raul Boesel/ João "Capeta" Palhares/Raymond Lourel, sendo este último piloto francês e proprietário do carro, ficou pelo caminho ainda durante a madrugada, em virtude de um problema no circuito eletrônico da injeção/ignição, enquanto liderava a prova com Raul Boesel ao volante. Lourel não chegou a pilotar o carro.

A sua próxima participação em Mil Milhas ocorreu tão somente 05 anos depois, naquela que é considerada uma das maiores edições da prova, tamanha a repercussão pela participação de pilotos nacionais de renomados e outros estrangeiros, além da inscrição de máquinas nunca antes vistas na pista paulistana.

Neste ano, Boesel utilizou um Ford Escort RS Cosworth, uma fera que contabilizou várias vitórias em ralis na Europa, equipada como motor turbo 2.0i de 440 hp e tração integral. A pilotagem foi dividida com Rubens Barrichello e Rudiger Schmidt (GER), e o 5º lugar no grid foi bastante animador. Mas a corrida não durou muito tempo, pois o carro nº 9 teve problemas de câmbio, e após 37 minutos parados no boxes, a equipe não conseguiu solucionar o problema, impossibilitando a volta à pista.

Após o longo hiato de participações entre 1995 e 2001, a sua volta à prova ocorreu de forma triunfal em 2002. Pilotou o carro vencedor do ano anterior, um Porsche 911 GT3 RS, com motor 6 cilindros aspirado de 3.6 litros e 24 válvulas, preparado pela equipe Stuttgart. Também vencedores do ano anterior foram os companheiros de Boesel na empreitada, neste caso, Flávio Trindade e Régis Schuch. Saindo da 3ª posição no grid e após 11h50min55s de prova, Boesel e companheiros alcançaram a vitória, com a maior diferença registrada entre o 1º e o 2º lugar na história da prova: 27 voltas.

Para o livro Mil Milhas Brasileiras 50 Anos, do jornalista Livio Oricchio, lançado em 2006, Boesel deu a seguinte declaração sobre a corrida:

"[...] Acho que foi um dos mais desgastantes testes físicos que já passei. Pilotei cerca de 70% do tempo. Faziam parte da equipe também o Flávio Trindade e o Régis Schuch. Eu classifiquei o carro e larguei. Nossa autonomia era de mais ou menos uma hora e vinte minutos. O Régis havia deixado bem claro que não conduziria à noite. Eu e o Flávio teríamos de nos revezar enquanto não tivesse luz natural. Larguei, fiz o primeiro pit stop e continuei na prova. Já estava pilotando há duas horas e quarenta quando parei pela segunda vez.

Disse a mim mesmo que aquele pit stop viera em boa hora, pois me sentia um pouco cansado. O Flávio assumiu o Porsche. Eu estava deitado e cerca de 40 minutos depois de parar, entraram correndo no motorhome para avisar que me preparasse. O Flávio havia comido algo ou tomado uma medicação e não se sentia bem. E o Régis no escuro não conduziria. Fui para a pista de novo para mais duas tocadas. O Flávio fez a seguinte, eu mais uma e o Régis terminou a corrida nos últimos 45 minutos, quando já havíamos estabelecido boa vantagem para o segundo lugar. Senti-me feliz pela conquista e comigo mesmo, por conta de como conseguimos ganhar a corrida".

Em 2003 correu defendendo o título, novamente com o Porsche GT3 RS da Equipe Stuttgart, mas tendo como companheiros o jovem Ricardo Maurício (que corria de Fórmula 3 Espanhola na época, sagrando-se campeão da categoria no final daquele ano) e Paulo Bonifácio. Mas infelizmente um problema no macaco hidráulico do carro fez com que o trio perdesse 03 voltas com o Porsche parado nos boxes, eliminando as chances de vitória e deixando-os na 3ª posição na geral (com 368 voltas completadas).

Porém a briga pela vitória com Ingo Hoffmann (que seria o vencedor da prova, com outro Porsche) ficou guardada na memória do alemão, como ele resumiu para o livro Mil Milhas Brasileiras 50 Anos:

"[...] Aliás, a luta com o Boesel depois da largada, a nossa primeira tocada, foi uma das coisas mais memoráveis da minha carreira. Tiramos o literal racha. Durante uma hora e quarenta, mais ou menos, com o asfalto ora mais molhado, ora mais seco, nós lembramos nossos tempos de moleques nas ruas. Costurávamos no meio do tráfego em Interlagos. Um momento eu conseguia abrir um pouquinho dele, mas de repente ele passava e abria o mesmo de mim. Tive nesse dia um dos grandes prazeres nesse negócio de pilotar".

Ausente na 32ª edição, disputada no aniversário de 450 anos da cidade coração do Brasil, Boesel voltou em 2005, sempre a bordo do Porsche 911 GT3 da Stuttgart, oportunidade em que dividiu a tocada com os vencedores de 2001, Max Wilson e André Lara Resende (vencedor também em 1996, com um Porsche 911 Turbo 1971), além de Marcel Visconde. O trio terminou a prova numa discreta 7ª posição.

Para a edição que celebrou os 50 anos da prova, realizada em janeiro de 2006, Boesel estava inicialmente inscrito em um dos Aston Martin DB9-R da equipe Capuava Racing, do saudoso Alcides Diniz. Porém, o bólido inglês teve problemas de motor ainda nos treinos, impossibilitando a participação na prova. Como consequência, Boesel e o Português ex-F1 Pedro Lammy foram remanejados para o Mercedes Benz CLK DTM, cuja pilotagem fora dividida com Tony Kanaan, substituindo na Mercedes o então bicampeão da Stock, Giuliano Losacco, que não pôde correr por conta de problemas de saúde, e o ex-Stock Car Beto Giorgi.

No grid, alcançaram a 9ª posição, com o tempo de 1min36s437. O lindo bólido, derivado do DTM, chegou a ocupar a ponta da classificação geral, quando liderou 02 voltas na 1ª hora da disputa. Contudo, terminou a prova na 2ª colocação, com 05 voltas de desvantagem para o vencedor, o Aston Martin DB9-R de Nelson Piquet/Nelsinho Piquet/Helio Castroneves/Christopher Bouchut (FRA).

2007 foi um ano atípico para a prova, pois além de ter sido chamada de Mil Milhas Brasil, fez parte do campeonato Le Mans Series, sendo a 6ª e última etapa do certame. Repleto de pilotos e carros de alto nível, o grid foi formado por 23 bólidos, divididos em 04 categorias. Boesel disputou a prova com o Porsche 997 GT3 - RSR 3.8 da Stuttgart Sportscar/Dener Motorsport, em trio com Marcel Visconde e Flávio "Nonô" Figueiredo, sendo que a corrida teminou com 318 voltas completadas, deixando-os na 12ª posição.

A última participação de Raul Boesel em uma Mil Milhas Brasileiras ocorreu em 2008, ano que marcou o fim de uma era para a história da prova. E foi também a sua segunda conquista, ao receber a bandeirada depois de 368 voltas completadas, dividindo a tocada do Porsche 911 GT3 RSR 3.6 da Stuttgart Sportscar/Dener Motorsport com Marcel Visconde e Max Wilson, que também celebrou a sua segunda vitória em Mil Milhas. O grid foi novamente formado por 23 carros, e os adversários mais ferrenhos eram o Protótipo Mitsubishi Eclipse de Eduardo Souza Ramos/Geraldo Piquet/Leandro de Almeida, o Protótipo Dimep Chevrolet V8 da Família Pimenta (Dimas Filho, Dimas III e Rodrigo) e do saudoso Alfredo Guaraná Menezes Jr., além de Ferrari GT2 360 e de algumas Maseratis GT oriundas do antigo Trofeo Maserati, absorvido pelo GT Brasil. Com os problemas dos adversários diretos, Boesel & Cia venceram a prova, cuja largada foi dada às 11 horas de um domingo, com 23 voltas de vantagem para o Protótipo Mitsubishi Eclipse.

E essa foi nossa singela homenagem aos 66 anos do grande Raul Boesel, que infelizmente teve sua maior homenagem - o Autódromo Internacional de Curitiba - substituída por projetos da especulação imobiliária, deixando somente lembranças de uma pista que além de técnica, tinha um lindo cenário em sua volta.















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